Há duas atitudes distintas, em se tratando de conscientização vegana, para as quais eu preciso chamar a sua atenção.
A primeira é quando algumas pessoas do meio vegano criam e/ou compartilham textos, imagens e vídeos que buscam meios empáticos, razoáveis, compreensivos e questionadores de mostrar às pessoas o quanto a exploração animal e o especismo são males que, por meio do veganismo e da luta abolicionista, devem ser combatidos por todos nós.
E a segunda é quando se recorre a meios que parecem estar mais focados em provar a todo custo que o abolicionismo animal está certo, por mais que as informações divulgadas machuquem a sensibilidade a preconceitos históricos e traumas individuais de pessoas de determinadas categorias sociais.
Considero essencial pensarmos sobre essa questão: qual desses métodos você costuma usar com maior frequência? E por que aconselho a preferir o primeiro e repensar o uso do segundo, caso seja este que você utilize mais?
O método que toca as pessoas e as chama prudentemente a considerar o veganismo
Para refletir sobre essas formas de buscar conscientizar as pessoas, é necessário descrever cada uma das duas. Assim você pode ter uma ideia melhor sobre em que elas consistem e em qual delas você tem incidido.
Primeiro, vamos pensar sobre o método mais empático, aquele que se preocupa em buscar caminhos que façam, com gentileza (mas sem docilidade excessiva ou insegurança), os não veganos pensarem e não os ofendam.
Nesse, o foco é mais em trazer questionamentos e revelar fatos objetivos. O conscientizador vegano, nesse caso, assume como seu objetivo fazer que a pessoa que vê, ouve ou lê àquele conteúdo tenha dúvidas, se questione, coloque suas próprias certezas à prova com perguntas ao vegano. E, em alguns casos, choque-se com cenas fortes, desde que elas não desenterrem memórias sofríveis.
Também há nessa metodologia toda uma preocupação em não fazer, por exemplo, analogias que ofendam a memória dos negros escravizados e dos judeus vítimas do Holocausto nazista, ou acionem traumas de mulheres que sofreram violências misóginas no passado. Afinal, queremos conquistar a atenção, o respeito e a simpatia de quem está nos ouvindo, vendo ou lendo.
Além disso, a abordagem é feita sem agressividade na fala, mesmo quando eventualmente traz imagens ou vídeos com cenas fortes, como quando recomendamos o documentário Terráqueos. A preocupação é tocar o coração e a mente do interlocutor, muito mais do que tentar carimbar o veganismo e os Direitos Animais como uma verdade que deve ser aceita de qualquer jeito.
O método que tenta carimbar a todo custo que os veganos estão certos doa a quem doer
Esse método é acreditado por muitos como algo “eficaz”, que “expõe a barbárie da realidade”. Mas eu considero sua eficácia em conscientizar os não veganos para lá de duvidosa.
Pelo que eu observo de quem recorre a essa tática, ela consiste em “mostrar a dura verdade da exploração animal doa a quem doer“, sem nenhuma consideração sobre se a técnica de abordagem usada é adequada ou simplesmente repulsiva.
É a maneira na qual incidem aqueles que, por exemplo, comparam a cultura da exploração dos animais “de consumo” com a época em que a escravidão dos negros africanos e afrodescendentes era legalizada.
E também os que desenham situações imaginárias nas quais mulheres sofrem violências similares ou iguais às que as vacas “leiteiras” são submetidas na pecuária.
E os que chamam a exploração animal de “holocausto”, uma atitude que é apontada por parte dos judeus não veganos como uma animalização ofensiva e insensível do seu povo.
Tenta-se, com essas maneiras, chamar os não veganos a se imaginarem sentindo na pele as violências pelas quais os animais não humanos passam. E as críticas que apontam que isso em muitos casos dá desastrosamente errado são muitas vezes esnobadas.
Quando alguém faz tais analogias, acaba não percebendo que há muitas pessoas, em especial de minorias políticas, que têm traumas de violência sofrida acionados ou se ofendem por causa do histórico de animalização racista ou antissemita dedicado à sua categoria.
E é quando os veganos que usam tais formas de abordagem reagem a essas críticas ou alertas com hostilidade que se percebe que eles estão tentando praticamente impor o seu ponto de vista. Aqui percebemos que esse segundo método foca em carimbar as verdades veganas como absolutas e obrigatórias, não tanto em fazer os não veganos pensarem melhor sobre o assunto, sentirem pelos animais não humanos e trabalharem gradualmente sua consciência.
Em outras palavras, o vegano que age assim parece mais preocupado em tentar impor que está certo e que os animais devem ser defendidos “a qualquer custo” do que induzir reflexões e dialogar.
Refletindo e repensando a forma de conscientizar
Convido você a pensar se realmente vale a pena insistir na segunda forma, mesmo quando ela é veementemente criticada, ou se, em nome da estratégia pragmática, é melhor repensar essa maneira e tentar dialogar genuinamente com a emoção e a razão das pessoas.
Em 2015, quando o veganismo interseccional se tornou relativamente bem conhecido entre os veganos veteranos, presenciei feministas criticando uma imagem que engatilhava traumas de violência sexual. Inclusive eu participei das críticas, estando do lado delas. E vi a página que a havia postado, administrada por dois homens, reagir de maneira nojentamente misógina (link para postagem de protesto na página do Veganagente no Facebook).
Isso me fez pensar que muitos veganos estão tentando pregar exclamações com prego e martelo ao invés de plantar interrogações na consciência das pessoas. E que essa imposição tem sido verbalmente violenta, a ponto de ameaçar “confirmar” o estereótipo antivegano de que veganos seriam “fanáticos extremistas que querem impor suas verdades com hostilidade e arrogância”.
Esse tipo de atitude também tende a afastar as pessoas não veganas de qualquer chance de simpatizarem conosco. A partir do momento em que isso começa a acontecer, o sinal amarelo acende e nos convida a parar para refletir.
Consideração final
Afinal, o que queremos mesmo? Carimbar nossas certezas e nos fazermos parecer os “mais certos do mundo”, ou conquistar as pessoas e fazê-las sentir e pensar por que defendemos o que defendemos?
É por isso que eu sugiro a você, caso seja daqueles que fazem essa abordagem menos adequada, repensar seus métodos e ajustar sua postura a uma de diálogo, questionamento e, sobretudo, empatia. Afinal, os Direitos Animais têm esta última como um de seus principais pilares ético-morais.
Seguremos qualquer ímpeto de tentar carimbar certezas e verdades. E substituamo-nas pela iniciativa de fazer as pessoas duvidarem de suas próprias convicções especistas, terem compaixão pelos animais e considerarem racional e amistosamente o veganismo.