Editado em 18/01/2022
Como oposição à descaracterização do modo de vida vegano pelo mercado, pela imprensa e pelos influenciadores do veganismo liberal, cresce o veganismo popular.
Mas afinal de contas, o que é essa “nova” vertente vegana? O que ela defende? E o que a diferencia das correntes mais disseminadas?
Conheça melhor, neste artigo, esse posicionamento ético, politizado e radical no melhor sentido – ou melhor, esse conjunto de posicionamentos – que poderá mudar para sempre sua maneira de encarar o veganismo e entender o que tem acontecido com ele.
O que é o veganismo popular
Podemos definir o veganismo popular, também conhecido como veganismo político, anticapitalista ou interseccional, como a vertente do veganismo que fortalece e amadurece o posicionamento ético antiespecista original, interseccionando-o com as bandeiras do anticapitalismo, da libertação da Terra e da emancipação de todos os povos e minorias políticas contra a opressão pelas classes e categorias sociais dominantes.
Apesar de o termo estar sendo popularizado há poucos anos apenas, sua inspiração vem de movimentos sociais e políticos bem mais antigos, como o marxismo e o anarquismo, os movimentos espirituais contrários à violência contra os animais em todos os continentes, a decolonialidade e vários movimentos sociopolíticos africanos, latinoamericanos (incluindo indígenas) e asiáticos.
Um livro que ajudou a fundamentar o que hoje conhecemos como veganismo popular foi o Bestas de carga, publicado em 1999 por marxistas britânicos anônimos.
A vertente popular e anticapitalista do veganismo vem fortalecer ainda mais a natureza ética original do movimento vegano. Lhe proporciona um espírito de luta política mais amadurecido, a sua democratização e disseminação entre os pobres e demais minorias e o reconhecimento de que, sem o combate ao capitalismo e às demais opressões, o antiespecismo tende a não ter grandes progressos rumo a um futuro livre de exploração animal.
Em resumo, faz com que a pessoa vegana que defende os animais não humanos ajude, direta ou indiretamente, a combater também todas as demais desigualdades e injustiças.
Os principais atributos do veganismo popular
O veganismo popular se define por diversas características, sendo essas as principais:
- Acrescenta ao modo de vida vegano um posicionamento político coerente e profundo. Como modo de vida, não se restringe ao consumo seletivo, nem exalta o mercado de produtos considerados veganos. E como posição política, pratica direta ou indiretamente o ativismo pelos Direitos Animais e advoga por uma ordem política, social, econômica e moral em que nenhum animal, seja ele humano ou não humano, seja mais explorado;
- É claramente libertacionista. Em algumas situações específicas, muitos veganos populares até lutam pela diminuição do sofrimento animal em sistemas de exploração, como quando defendem a proibição da exportação de animais vivos e dos confinamentos em jaulas e baias. Mas tendem a não considerar essas conquistas “grandes progressos”, numa realidade em que os animais continuam submetidos ao estatuto moral de seres inferiores e propriedade dos humanos e seus exploradores continuam lucrando alto com o especismo;
- É de esquerda, anticapitalista e anticonsumista. Entende que o capitalismo, ainda que não tenha dado origem ao especismo, o fortaleceu a níveis extremos. Compreende também que a abolição do especismo não é viável num sistema econômico, sociopolítico e moral que consiste essencialmente em inferiorizar, objetificar, explorar e empobrecer a imensa maioria em benefício de alguns poucos. E tem consciência de que mesmo o “capitalismo vegano” não abre mão de desprezar e matar os animais da Natureza ao devastar e poluir ecossistemas, nem de conservar a lógica da hierarquização entre os seres;
- É popular, como diz o próprio nome. Defende que o modo de vida vegano inclua plenamente todas as classes sociais, se adapte às condições e necessidades de quem tem baixo poder aquisitivo e promova redistribuição de renda. Ao mesmo tempo que veganiza os mais pobres, politiza-os e, assim, fortalece o poder popular contra o capitalismo e o especismo. Repudia a tendência dos veganismos tradicional e liberal de priorizar as classes médias e ricas. Obs.: divulgar receitas veganas baratas e nutritivas para pessoas de baixa renda é apenas uma dentre as muitas ações dos veganos populares;
- É radical, no sentido de combater a raiz dos problemas que causam direta ou indiretamente a exploração, sofrimento e morte de animais. Não busca simplesmente reduzir o sofrimento animal no mundo, mas sim desconstruir e extinguir as suas causas humanas – mais precisamente a moralidade especista e o capitalismo;
- É interseccional. Além de ser anticapitalista, abraça plenamente as mais diversas minorias políticas humanas, suas particularidades socioculturais e a luta política que elas empreendem. Compreende que a exploração animal, a humana e a ambiental são inseparáveis. E sabe que não fará sentido nenhum um futuro que não tenha mais especismo mas conserve o antropocentrismo ambiental, o racismo, o machismo, a LGBTfobia, o elitismo, a exploração de trabalhadores, a xenofobia, a intolerância religiosa, o capacitismo, a psicofobia, o etarismo etc.;
- Promove a soberania alimentar. Combate a concentração de renda, de terras e de poder político, que impede a maioria da população pobre do mundo de conhecer e considerar o veganismo. Repudia a postura das grandes corporações de divulgar e comercializar ultraprocessados comestíveis como se fossem alimentos saudáveis e necessários. Defende a reforma agrária, a agroecologia vegana e orgânica e a alimentação livre de agrotóxicos, OGMs, fertilizantes sintéticos e outros componentes nocivos à saúde;
- Opõe-se não só ao especismo, mas também ao veganismo liberal e ao tradicional não interseccional. Percebe que as incoerências e contradições morais e políticas de ambas as vertentes tendem a empurrar o movimento vegano ao fracasso e à rendição perante os capitalistas exploradores de animais.
Conclusão
Em resposta às tendências mainstream do veganismo e à apropriação do mesmo pelo capitalismo, o veganismo popular veio para ficar.
Ele nos traz uma imperdível oportunidade de salvar a causa vegana da derrota, mostrar ao mundo o que o veganismo realmente é e defende e deixar claro que a libertação animal anda “de mãos dadas” com as demais lutas antiopressão e beneficia todos os seres sencientes – humanos e não humanos.
Desde já eu convido a você, se já é ou ainda não é vegana: considere essa vertente. Não fique somente nos hábitos de consumo veganos ou na defesa de libertação restrita aos animais não humanos.
Conheça mais sobre o veganismo popular e sua proposta de libertação animal e humana no livro Libertação animal, libertação humana: veganismo, política e conexões no Brasil [link afiliado], de Kauan Willian dos Santos e Ana Gabriela Mota.
5 comments
Grata pela explanação Robson! Estou aprendendo muito com os seus textos. Me tornei vegana a um ano, não só pela compaixão aos animais mas por entender que toda exploração andam “de mãos dadas” (seja animais não humanos, humanos, o meio ambiente e tudo o mais que o capitalismo possa corromper para lucrar) porém confesso que os posicionamentos estavam um pouco confusos para mim justamente por causa do veganismo liberal que é empurrado não só pelo mercado como pela mídia, influenciadores auto intitulados veganos e até alguns profissionais da saúde. Agora estou me dedicando a estudar mais sobre os direitos dos animais e seu site é um ótimo aprendizado. Vou indicar para todos que me perguntam do porque me tornei vegana. Abraços!
Gratidão, Roseli! =D Abração!
As informações sobre o veganismo liberal estão incorretas.
Por quê?
Não está errado! A explicação dele foi perfeita